segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Uma civilização islâmica?

No dia 24 de setembro do ano de 622 (pelo calendário juliano), o profeta Muhammad chegou à cidade de Yathrib para dirigir as preces da sexta-feira. Ele havia deixado sua cidade natal, Meca, devido à hostilidade da liderança da cidade. Yathrib, por sua vez, era um oásis localizado a cerca de 350 km ao norte e seus líderes haviam escolhido o profeta como líder religioso e árbitro de suas disputas tribais. Em breve, a liderança do profeta se irradiou para tribos vizinhas e a cidade que escolhera como residência mudou seu nome para Madînat al-Nabî, a 'cidade do profeta', atual Medina.

Essa migração é conhecida pelo termo árabe hjirah (هِجْرَة) ou 'hégira'. A partir dessa mudança, os fiéis companheiros do profeta deixaram de ser uma minoria perseguida e tornaram-se a base de uma nova comunidade religiosa. A própria palavra, cujo significado é de 'busca de proteção', tem um sentido duplo: representa ao mesmo tempo a saída do profeta e de seu círculo de fiéis da hostilidade de Meca à proteção de Medina e a passagem do mundo do erro para a verdade da revelação divina. Dezesseis anos depois, em 638, o califa Omar decretou o ano da hégira como o início do calendário islâmico.

O islã, no entanto, era visto pelos cristãos contemporâneos como apenas uma heresia até o reinado do quinto califa omíada, Abd al-Malik (685-705). Foi ele quem iniciou o processo chamado pelos historiadores de ‘organização e ajustamento’, substituindo as estruturas administrativas das regiões conquistadas por uma burocracia na qual o árabe se impôs como língua administrativa e financeira. Iniciou, também, um ambicioso programa de construção de edifícios públicos, no qual se destacava o Domo da Rocha, em Jerusalém, e colocou em circulação uma nova moeda de ouro, o dinar, nome derivado do romano denarius. Nesses edifícios e moedas, o califa mandou inscrever versículos do Alcorão que proclamavam o Islã como uma nova religião, independente das anteriores:

Foi Ele quem enviou seu mensageiro com a Sua orientação e a religião verdadeira para que a faça prevalecer sobre todas as outras (9: 33).
Ele é o Deus único. Deus, o eterno refúgio. Nem gerou nem foi gerado. Ninguém é igual a ele (112: 1-4).

Assim nasceu a 'civilização islâmica'. Seria um erro, no entanto, tratar o Islã como uma civilização monolítica (como o fazem, entre outros, Bernard Lewis e Samuel Huntington). Hoje, o mundo abraçado pela revelação islâmica compreende "mais de um bilhão de muçulmanos espalhados pelos cinco continentes, que falam dezenas de línguas diferentes e possuem tradições e histórias variadas"; como qualquer outra cultura mundial importante, "o Islã contém uma espantosa variedade de correntes e contracorrentes, cuja maioria não é discernida pelos orientalistas tendenciosos, para os quais o islamismo é objeto de medo e hostilidade, ou por jornalistas que não conhecem nenhuma das línguas ou histórias relevantes e se contentam em se basear nos estereótipos que perduram no Ocidente desde o século X." (Edward Said)

O que militantes como Lewis e Huntington querem é apenas enfatizar como uma fictícia 'civilização islâmica' rejeita uma também fictícia 'civilização ocidental' e seus valores, "como se um bilhão não passasse de uma pessoa e a civilização ocidental não fosse mais complicada do que uma simples sentença assertiva".

Um comentário:

A. P. Leme Lopes disse...

I haven't read mr. Shoher's arguments yet. I'll do it and then post my thoughts here.
Just out of curiosity, Nikol, how did you find my blog? Can you read portuguese?
Thanks for commenting!