sexta-feira, 28 de setembro de 2007

História do jazz em duas palavras

Nascido nos EUA na virada do século XIX para o século XX, o jazz foi uma das formas musicais mais inventivas e mutantes já vistas no mundo. Surgido como uma música ritmada, usada para acompanhamento de enterros, o jazz já foi música para dançar, música popular, música difícil, música para músicos, instrumental, cantado, acústico, eletrônico...

Parte considerável dessa história pode ser sintetizada em um nome: Miles Davis. Kind of Blue, de 1959, é um marco na história da música e universalmente considerado como um dos maiores álbuns de jazz da história, senão O álbum que define o que é jazz. Essencial para entender a força desse disco é a sua gestação, coletiva. Miles compôs os temas, organizou os músicos e as gravações, mas não fez nenhum ensaio ou arranjo. A gravação que ouvimos é o resultado da improvisação de uma das melhores bandas da história da música: John Coltrane, Bill Evans, Julian "Cannonball" Adderley, Wynton Kelly, Paul Chambers, Jimmy Cobb e o próprio trompetista. Como disse um crítico, "talvez seja exagero dizer que, se você não gosta de Kind of Blue, você não gosta de jazz, mas é impossível imaginar alguma coleção de jazz em que ele não seja a pedra fundamental".

Mas Miles Dewey Davis III não gravou apenas Kind of Blue. Sua primeira gravação como band leader foi em 1947, quando tinha apenas 21 anos, e contava com Charlie Parker como um dos músicos. Entre 1949 e 1950, ainda muito novo, Miles fundiu o bebop, estilo 'difícil', anti-comercial, de solos rápidos e mudanças rítmicas freqüentes, com os arranjos dançantes das big bands numa atmosfera relaxada e melódica. O LP que resultou dessas gravações, Birth of the Cool (1957), marcaria a música pós-bebop e, como anuncia o título do LP, seria essencial no desenvolvimento do cool jazz.

Dez anos depois de Kind of Blue, Miles faria história novamente com "o mais revolucionário álbum da história do jazz", Bitches Brew. Gravado logo após o festival de Woodstock com outra grande banda - que incluía Wayne Shorter, "Chick" Corea, John McLaughlin e Billy Cobham, entre outros -, Bitches Brew trazia guitarras e teclados eletrônicos e rejeitava os ritmos tradicionais do jazz: "como os grupos de rock, Davis deu ao ritmo um papel central nas atividades da banda. Seu uso de uma imensa sessão rítmica [dois baixistas, dois ou três bateristas, dois pianistas e um percursionista, todos tocando ao mesmo tempo] oferece espaços largos e ativos aos solistas". O álbum duplo apresentava apenas seis músicas, longas improvisações editadas por Miles e pelo produtor Teo Macero a partir das gravações originais, feitas em apenas três dias.

Bitches Brew foi pioneiro no uso do estúdio como um instrumento musical, trazendo pilhas de edições e efeitos que eram parte integral da música. Embora soasse como uma gravação normal de um grupo de caras tocando coisas impressionantes, grande parte do som era baseada na tecnologia do estúdio para criar uma fantasia que nunca fôra tocada. Miles e o produtor, o lendário Teo Macero, usaram o estúdio de gravação de novas maneiras radicais [...]. E, com edições intensivas das fitas, Macero criou muitas estruturas musicais totalmente novas que depois foram imitadas pela banda nos shows ao vivo. Macero, que tinha educação clássica e foi provavelmente influenciado pelas experiências de música concreta dos anos 1930 e 1940, usou a edição como uma forma de arranjo e composição. (você pode ler a íntegra desse texto, em inglês, aqui)

E Miles não parou por aí. Guitarras distorcidas e ritmos de funk aparecem em On the corner (1972), uma tentativa de "conectar-se com uma audiência negra jovem, que esquecera o jazz em favor do rock e do funk", segundo seu próprio autor. Já Doo-bop (1992) trazia uma parceria com o produtor de hip-hop Easy Mo Bee. Miles começou a planejar o álbum quando tocava trompete com a janela aberta, tentando acompanhar os sons típicos da cidade de Nova Iorque (High speed chase, a quarta música do disco, traz um acompanhamento de buzinas e barulho das ruas). Mas Doo-bop seria a última gravação de Miles e ainda não estava completo quando o trompetista morreu, em 28 de setembro de 1991.

Enquanto esteve vivo, Miles Davis foi um dos maiores inovadores da música do século XX e "pode ser argumentado que o jazz parou de evoluir quando ele não estava mais lá para empurrá-lo". Com efeito, hoje o jazz tradicional é uma repetição do que já foi feito e a inovação está, em grande parte, na música eletrônica, no acid jazz e no hip-hop, gêneros que podem ser encontrados na mistura musical de On the corner e Doo-bop. Miles Davis, criador do cool jazz, do jazz modal, do jazz-fusion, do jazz-rock, "em uma época em que o jazz se volta para a academia e para orquestras de repertório ao invés de seguir em frente, é uma lembrança da qualidade essencial da música de invenção sem fronteiras, usando todos os meios disponíveis".

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